Constantine Stanislaviski, ator, diretor, pedagogo e
dramaturgo russo de grande destaque nos séculos XIX e XX achava a ética fundamental
para o processo de criação, já que se trata de um processo coletivo. Mesmo
encenando um monólogo o ator necessita de uma equipe de pessoas como: diretor,
iluminador, operador de som, bilheteiro etc.
No mundo dos negócios também é assim. Podemos não perceber,
mas fazemos parte de um todo.
Pois bem, imagine que hoje você veio ao trabalho para fechar
um importante negócio. A reunião será daqui a meia hora. Na vida particular
você tem muitas preocupações e aborrecimentos. Em casa aconteceu alguma coisa.
Um ladrão acabou de roubar o teu carro e o celular novo. Neste momento você tem
mais uma preocupação: assim que entrou no escritório você se deu conta de que
tinha deixado em casa a chave da gaveta aonde guarda o dinheiro. Para que
ninguém roube! E amanhã vence o aluguel! Você não pode deixar passar a data
porque as tuas relações com a proprietária são muito tensas. E depois, tem
ainda uma email de casa – teu pai está doente. Isto te angustia muito: antes de
tudo porque você o ama, e depois, porque viria a faltar a ajuda material, se
lhe acontecesse alguma coisa – o teu salário é baixo. Mas a coisa mais
desagradável são as relações ruins que você tem com teus colegas e com a
direção da empresa. Os teus colegas não perdem uma ocasião para debochar de
você e se permitem fazer brincadeiras desagradáveis durante o dia a dia da
empresa: seja omitindo de propósito uma informação, seja mudando
inesperadamente as marcações de reunião, seja, durante a reunião, sussurrando alguma
coisa ofensiva ou indecente. E além do mais você é tímido, e fica inseguro. Mas
é exatamente isso que querem os teus colegas, e é este o divertimento deles. Um
pouco por tédio, um pouco para se divertir. Reflita atentamente sobre aquilo
que acabei de contar e julgue se é fácil, nesta situação, se concentrar o
quanto é necessário para o trabalho criativo em cena. Estamos todos
naturalmente de acordo que é uma tarefa difícil, sobretudo por causa do pouco
tempo que sobra antes da tão esperada reunião.
Se pelo menos estivéssemos prontos a tempo!
Com sua expertise o profissional arruma tem gestos que vão sozinhos,
mecanicamente, e você nem se dá conta de que está pronto.
Você tem apenas o tempo de se precipitar em cena no último
segundo. A porta se abre e você ainda está sem fôlego. A tua língua diz o texto
da primeira fala pela força do hábito, como um papagaio. Depois, recuperado o
fôlego, você pode pensar na “sensação de si em cena”.
Você acha que eu estou brincando e sendo irônica? Claro que
não. É preciso admitir que na vida corporativa nos deparamos frequentemente com
um comportamento assim, anormal, diante dos nossos deveres profissionais.
Agora vou apresentar um quadro diferente: ficam as
circunstâncias da vida pessoal, isto é, os problemas familiares, a doença do
teu pai, e o resto; mas no escritório te espera alguma coisa totalmente
diferente: todos os membros da família da empresa acreditam naquilo que se diz
no meu livro A minha vida na arte. Lá se diz que nós profissionais que amamos o
que fazemos somos pessoas de sorte, porque neste mundo desmedido o destino nos
concedeu uma chance de fazer exatamente aquilo que amamos, no qual podemos
criar a nossa própria vida profissional, especial, magnífica que transcorre no
trabalho coletivo.
Não basta isso para fazer um maravilhoso pedaço de mundo? É
claro, então, qual destas duas variantes nos agrada.
Protejam o seu ofício antes de tudo que é negativo, e aparecerão
as condições favoráveis ao trabalho e à sensibilidade de que precisa.
Não se pode entrar no escritório com os sapatos sujos. Tirem
fora a poeira e a sujeira antes de entrar. Entretanto deixem fora os sapatos e
todas as pequenas preocupações, as brigas, as questões que tornam a tua vida
difícil e te distraem do seu ofício.
Limpe a garganta antes de entrar. Depois que entrou você não
pode mais cuspir pelos cantos.
Mas as pessoas, na maior parte dos casos, transferem de
todas as partes para o trabalho cada mesquinharia, implicâncias, intrigas,
calúnias, inveja, egoísmo mesquinho. O resultado é, não um templo profissional,
mas uma lixeira, uma escarradeira, um chiqueiro.
De uma vez por todas é preciso entender que é falta de
educação lavar a roupa suja diante de todos, que desta maneira parece falta de
controle, falta de respeito em relação ao próximo, o egoísmo, a indisciplina e
os maus hábitos... De uma vez por todas é preciso deixar de lado a
autocomiseração e o desprezo por si. Em sociedade é preciso sorrir, como fazem
os americanos. A eles não agradam os rostos amargos. Chore e sofra em casa, ou
quando estiver sozinho. Com os outros, esteja de bom humor, alegre e simpático.
Neste ponto é preciso exercitar o autocontrole.
Pense um pouco mais nos outros e um pouco menos em você
mesmo. Cuide da atmosfera comum e do trabalho comum. E, então, você estará bem.
Se cada um dos trezentos colaboradores trouxesse consigo ao trabalho a alegria,
isto curaria até o pior dos manicômios. O que é melhor? Consumir a alma, ou
então, estudar junto a trezentas pessoas, um modo de manter afastada a autocomiseração
e se dedicar totalmente ao trabalho querido? Quem é mais livre? Quem se fecha
na sua independência, ou quem, esquece de si, e se preocupa com a liberdade dos
outros? Se todos se preocupam com todos, então a humanidade inteira defenderá
também a minha liberdade pessoal.
Se noventa e nove em cada cem pessoas se preocupam com a
liberdade comum, e então também com a minha, eu, o centésimo, vou ter muita
facilidade. Se ao contrário, todos os noventa e nove pensam só na sua liberdade
pessoal e, os outros, incluindo eu mesmo, são oprimidos, então eu, para proteger
a minha liberdade devo combater sozinho todos os noventa e nove egoístas. Esses
oprimem, mesmo não querendo, a minha liberdade, já que cuidam só da própria
liberdade.
A mesma coisa acontece entre nós: não só vocês, mas todos os
membros da família de um escritório se ocupar para que vocês se sintam bem
entre as paredes do escritório. Então se cria uma atmosfera na qual se superam
os maus humores e se esquecem das pequenas preocupações da vida cotidiana. Em
tais condições o trabalho ficará mais fácil. Esta disponibilidade para o trabalho,
esta condição de ânimo elevada, eu chamo isto, com as minhas palavras, de “pré-disposição
para o trabalho”. Seria preciso chegar sempre ao trabalho com este estado de espírito.
Ordem, disciplina, ética, etc., servem apenas para a causa
comum.
A primeira condição para obter a “pré-disposição para o
trabalho” é a observância da máxima: “Ame o trabalho em você e não você no
trabalho”. Preocupe-se então, antes de tudo com as tuas ações.
Baseado na tradução de Celina Sodré do texto Ética opera non finita do livro
STANISLAVSKIJ: L’ATTORE CREATIVO, editora LA Casa Usher